sexta-feira, 23 de março de 2012

Como é fixe ser retrógrado!

Desde há uns tempos a esta parte, tenho vindo a constatar que existe uma certa mentalidade ultra-conservadora e até mesmo retrógrada que está a aumentar na nossa sociedade. Frases como "Volta, Salazar volta!", "os gays são pessoas doentes" são cada vez mais ouvidas. Recentemente, o novo cardeal português D. Manuel Monteiro de Castro, afirmou o seguinte: "...cabe à mulher educar os filhos e por isso devem ficar mais tempo em casa...".

Ser conservador é tão legítimo como ser sportinguista e, gostemos ou não, e apesar de não ser tão comum como ser benfiquista é uma forma de estar na vida bastante natural. Mas não é sobre conservadorismo que pretendo falar, mas sobre o facto de se possuir um pensamento retrógrado

Os portugueses, alguns, têm memória seletiva: lembram-se muito bem dos Descobrimentos, mas não se lembram das condições de vida que existiam há 50 anos atrás, nem das taxas de emigração. Talvez fruto desse esquecimento tenham eleito conscientemente Salazar como O Grande Português, não se importando de gastar 60 cêntimos+IVA, quando, certamente, 30 anos antes tinham celebrado a queda do regime a que este senhor tinha presidido. Numa fase mais recente, ouve-se, não só em cafés, mas também em lugares mais eruditos, exclamações épico-dramáticas demonstrativas de um sebastianismo desesperado, apelando a um regresso utópico (ou bem real), não de António de Oliveira Salazar, mas de um "salazar", como se um ditador, por ser ditador, possa ser mais eficaz que um democrata, por ser democrata. Para meu espanto, estas frases são ainda aplaudidas por quem as ouve como se de algo bom se tratasse, como se tivesse alguma piada.

Felizmente, para escrever este texto não tive dificuldades em encontrar exemplos. O mais recente é o do Cardeal D. Manuel Monteiro de Castro que, se não estou em erro, recebeu o título de Cardeal há pouquíssimo tempo. Na sua opinião, "...cabe à mulher educar os filhos e por isso devem ficar mais tempo em casa...". Ora esta frase seria perfeitamente natural há 38 anos atrás ou há 100 anos atrás, mas hoje não! A Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra o direito à não-discriminação com base no género e o que Cardeal fez foi simplesmente uma violação a este princípio. Independentemente da sua opinião pessoal, creio que as declarações feitas a título profissional devem ser cuidadas e recatadas, nomeadamente, quando se representa uma instituição centenária ou milenar como a Igreja Católica. Para além de difamatórias e discriminatórias, estas declarações demonstram o pensamento retrógrado da Igreja ou pelo menos de alguns dos seus representantes, que se mostram outras vezes desagradados com a perceção que a opinião pública tem sobre o seu trabalho, a sua missão e princípios. 

Enquanto alguns falam de retrocessos civilizacionais (e com razão!) eu prefiro destacar os retrocessos mentais que estão a acontecer, sem que ninguém se lhes dê muita importância...

Hoje, mais do que nunca, devemos decidir de que forma queremos evoluir. Existem dois escolhas possíveis que podemos fazer: a do retrocesso mental, da mente fechada a novas ideias e do medo ou o caminho da abertura de espírito, da procura da igualdade e do desenvolvimento cultural e civilizacional. Eu já fiz a minha escolha! Peço-vos que façam a vossa.


3 comentários:

Anónimo disse...

Não podia concordar mais contigo. Quem quer um novo Salazar, provavelmente já não se lembra do original.
Quanto ao concurso da RTP, se não estou em erro, o 2º lugar foi atribuído a Álvaro Cunhal, o que demonstra que os votos refletiram um grande antagonismo entre esquerda e direita no nosso país.
No entanto, estas ideias, como bem disseste, começam a espalhar-se pela sociedade, atingindo pessoas que nos estão mais próximas, até ao nível deste blog...
Há 50 anos, o maior português seria considerado Camões, sem dúvida. Salazar? Até eu fiz mais coisas boas por este país!

João Simas disse...

A cultura (as formas de pensar e agir)é o mais difícil de mudar. Há ideias, atitudes, formas de estar que encontramos de uma forma semelhante até ao longo de séculos e que, de vez em quando, "vêm ao de cima". Nesse concurso houve claramente "lobies" a votar; de qualquer forma não teria validade nenhuma. Tenho dúvidas que Camões fosse escolhido há 50 anos: cerca de 40% da população era analfabeta. Por outro lado poucos tinham televisão (1 canal que não chegava ainda a todo o lado) e quase não havia telefones.

Beatriz Candeias disse...

Já aqui neste blog deixei a minha opinião em relação a pessoas que consideram Salazar o melhor português de sempre, o salvador da pátria e que se esquecem da repressão, da miséria e da "prisão" em que se vivia. Por isso mesmo, neste comentário que estou a fazer quero pegar no último parágrafo do texto do Manuel. Na minha opinião, é muito difícil mudar a mentalidade de um país inteiro e fazê-lo seguir como diz o Manuel e bem "o caminho da abertura de espírito, da procura da igualdade e do desenvolvimento cultural e civilizacional". Existe efectivamente uma elite assim. Mas lá está,infelizmente é apenas uma minoria da população portuguesa. Nós vamos a passear na rua e se vemos um casal homossexual de mãos dadas podemos constatar inúmeros olhares discriminatórios direcionados a esse casal; abrimos o nosso facebook e aparecem-nos comentários de pessoas jovens a quererem viver num sistema ditatorial; vamos a um café e se falarmos em vários tipos de músicas como jazz ou clássica recebemos comentários como "como é que podes ouvir isso?". Claro porque o bom é o que toda a gente ouve. Isto tudo prova a falta de cultura de Portugal. Tudo o que é diferente, tudo o que foge ao comum, o que pode ser considerado estranho e cá, neste pequeno país é encarado com maus olhos, é gozado, é discriminado. Por que não fazer o contrário? O que custa? Muito porque aparentemente é muito mais fácil olhar de lado, fecharmo-nos no nosso mundo idiota, comentar maliciosamente em vez de tentar perceber, estar aberto a novas ideias, novas pessoas, novos mundos. Custa pensar, custa irmos de encontro à igualdade, custa procurar um bocadinho de verdadeira cultura... Esta é a minha opinião e como felizmente ainda sou LIVRE (sim porque se fossemos pela cabeça de algumas pessoas já teríamos perdido a liberdade que tanto nos custou recuperar!) posso-me expressar e estou aberta a respostas menos positivas!