quinta-feira, 15 de março de 2012

Palavra de um campónio

Campo ou cidade, sossego ou desassossego, ar puro ou poluição, liberdade ou muitas vezes prisão… Bom como um bom cidadão rural é óbvio que prefiro o campo à cidade, o sossego ao desassossego, o ar puro à poluição e a liberdade à falta da mesma. Admito que há coisas na cidade que o campo não tem, mas sinto-me à vontade para dizer que não trocaria por nada a vida do campo à vida na cidade, no campo cresci e dele aprendi a gostar.
Mas não é das minhas preferências que eu venho aqui falar, mas sim da tristeza ao ver que o meio rural está cada vez mais dependente do meio urbano, e falo como habitante de uma pacata aldeia do distrito de Évora de nome Nossa Senhora Da Boa-Fé. É visível de dia para dia o contributo das câmaras municipais para a desertificação tanto na minha aldeia como noutras aldeias pertencentes ao distrito de Évora. A maioria da população nestas aldeias é de idade superior a 40 anos e a falta de atractivos para a população jovem é preocupante, e digo isto com alguma mágoa pois sou jovem e gostaria que tal não acontecesse. São feitos projectos e mais projectos, prometem-se melhorias, fazem-se planos, mas a realidade é que nada se cumpre, talvez por falta de dinheiro mas certamente por falta de interesse e vontade, e fico com a sensação que esta falta de interesse e de vontade deve-se muitas vezes a divergências partidárias entre as freguesias e as câmaras. São visíveis as diferenças entre os avanços (nunca muito significativos é claro) entre uma freguesia da mesma cor partidária do município e uma aldeia que não dispõe das mesmas ideologias.
O meio rural sempre esteve dependente do meio urbano e é inevitável que isso aconteça, mas esta dependência deve ter limites, pois as pessoas do campo não são em nada inferiores às pessoas da cidade, não se deve desvalorizar o meio rural pois tal como o meio rural está dependente do meio urbano, o meio urbano também está dependente do meio rural e deve haver uma relação de simbiose entre ambos.
Por fim, e numa altura em que vejo que o meu futuro passará inevitavelmente por uma vida ligada ao meio urbano, espero como orgulhoso habitante desta aldeia vir um dia contribuir para o seu desenvolvimento e para a melhoria da qualidade de vida de todos os seus habitantes, e seria com muito prazer que gostaria de ver um maior apoio por parte dos municípios em relação ao meio rural.

3 comentários:

Manuel Cotovio disse...

Enquanto citadino feliz e provinciano orgulhoso, ao ler o teu último parágrafo, não resisto a fazer uma sugestão: como já és maior e vacinado, como és um orgulhoso cidadão da tua aldeia e aluno de Ciência Política, junta-te às listas de um partido com que te identifiques e participa ativamente!

Somos novos e, por isso, temos que deixar de ser treinadores de bancada e começar a agir, caso contrário, outros, bem piores que nós, ocuparão lugares e nós nunca sairemos da cepa torta.

Cumprimentos.

Margarida Silva disse...

Penso que a reflexão do Vítor sobre este tema é bastante pertinente, visto que é uma realidade com que poucos se preocupam e menos ainda são aqueles que algo fazem para a alterar.

Não penso que o meio rural seja visto de modo inferior em relação ao meio urbano, pelo menos, pessoalmente não é assim que o encaro, mas a falta de acompanhamento e dinamismo de que fala o Vítor, contribui para que as pessoas desistam desse meio, por saberem que está tudo entregue a interesses alheios que nada têm a ver com as populações que os habitam, e isso é realmente de lamentar.

Mas, também acredito que é uma realidade que se vai alterar, infelizmente, talvez não a curto prazo, mas haverá certamente alterações, pois os meios urbanos estão superlotados e já se vê muita gente a procurar os meios rurais para viver. Por aí terem uma vida mais saudável e sossegada e também por aí encontrarem diferentes rumos profissionais, principalmente na época que atravessamos.

João Simas disse...

Se há aspetos em que o 25 de Abril e o processo que se seguiu trouxe grandes transformações foi nos meios rurais, principalmente no Alentejo, com a participação das populações, quer através das autarquias quer com associações de moradores ou cooperativas. Já vão longe esses tempos, a memória é curta, e por um lado ainda bem, porque não interessa andar sempre a recordar misérias de outros tempos, nas aldeias e nas cidades! Um dos problemas dos meios rurais é que o nosso país passou muito rapidamente de uma agricultura atrasada que envolvia a maioria da população, para um país de serviços,com uma economia que tem que competir, no caso da agricultura, com países de agricultura intensiva e modernizada. Muitos problemas do meio agrário ficaram por resolver e parece que ainda estamos no êxodo rural, embora haja sinais de novas populações, com mais instrução, que estão a regressar aos campos, com uma perspetiva diferente.
Mas será que hoje fazem sentido as dicotomias cidade/campo e litoral/interior? Elas existem mas não poderão ser ultrapassadas? Existem vias de comunicação que permitem que se vá mais depressa do centro de uma cidade como Évora para uma aldeia a 20Km, do que de um bairro a outro noutras cidades. E o que é litoral e interior num país com a nossa dimensão? Num país como o Brasil ficar a 200km do mar ainda é considerado litoral. E periferia, o que é isso? Veja-se cidades finlandesas, num país coberto de gelo, a centenas de Km do Báltico e a milhares de quilómetros de Bruxelas mas que têm um IDH invejável. Por outro lado, uma cidade precisa de ser barulhenta? Há cidades que têm parques, bairros que parecem aldeias ... Em Amesterdão anda-se de bicicleta (e chove)...
Mas a questão também é atual noutro aspeto. Está em discussão e preve-se para daqui a pouco tempo uma reforma profunda das autarquias. Há que estar atento, porque este problema é de todos.