segunda-feira, 21 de março de 2011

LIBERDADE DE OPINIÃO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O segundo capítulo de Sobre a Liberdade pode ser lido independentemente do resto do livro e constitui provavelmente a mais poderosa defesa da liberdade de opinião e de expressão alguma vez feita. O princípio do dano apoia naturalmente a existên­cia de liberdade de opinião e de expressão, dado que tanto as opiniões individuais como a expressão de opiniões individuais constituem assuntos que só ao próprio dizem respeito; mas não é preciso aceitar o princípio do dano para se concordar com o argumento fundamental de Mill a favor da liberdade de opinião e de expressão.
 Em linhas gerais, o argumento é este: há três possibilidades: uma opinião pode ser totalmente verdadeira, parcialmente verdadeira, ou totalmente falsa. Se é totalmente verdadeira, ou parcialmente verdadeira - como é o caso mais frequente -, então proibi-la é um mal, porque impede as pessoas de tomar contacto com novas verda­des. Se é totalmente falsa, ainda assim é útil que as pessoas a conheçam, porque per­ceber as posições dos adversários é essencial para perceber melhor a nossa própria posição, e porque uma opinião que não é criticada passa a ser aceite acriticamente e torna-se um dogma morto, ainda que verdadeiro. E, independentemente de a opinião em questão ser verdadeira ou falsa, impedir a divulgação de uma doutrina é pressu­por infalibilidade - é estar a pressupor que os seres humanos nunca se enganam, o que é claramente falso. Há uma subtileza na posição de Mill que é importante perceber: quando critica os que parecem pressupor que são infaveis, Mill não está a partir do princípio de que todas as nossas crenças podem ser falsas em conjunto; está apenas a partir do princípio mais fraco de que, tanto quanto sabemos, qualquer uma das nossas crenças, tomada individualmente, pode ser falsa.
Uma objecção a este argumento seria dizer que a verdade de uma opinião e inde­pendente da sua utilidade: que pode ser útil impor certas creas, mesmo que não se tenha a certeza de que sejam verdadeiras - isso implicaria que se poderia res­tringir a liberdade de opinião e de expressão. Mill antecipa esta objecção e dá dois contra-argumentos. Em primeiro lugar, é altamente duvidoso que, na prática, a util­idade de uma opinião possa ser avaliada independentemente da sua verdade ou fal­sidade (como certa vez ouvi dizer: quem tem a verdade é que faz os canhões; o é quem tem os canhões que faz a verdade). Em segundo lugar - e este é o ponto fundamental - os seres humanos são tão falíveis a determinar a utilidade de uma opinião como a sua verdade. Proibir que se expressasse determinada opinião que alguns considerassem nociva para o bem-estar da sociedade seria estar novamente a pressupor a infalibilidade dos seres humanos.
Mill reconhece, no entanto, que há um tipo de caso em que se pode restringir legitimamente a liberdade de expressão: quando expressar determinada opinião constitui uma incitação ilegítima à violência. No início do terceiro capítulo, Mill diz que certas opiniões, como a opinião de que a propriedade privada é um roubo, ou que os comerciantes de trigo fazem os pobres passar fome, devem poder ser livremente divulgadas na imprensa - mas não seria permissível usá-las como palavras de or­dem incendiárias perante pessoas que se estivessem a manifestar em frente à casa de um comerciante de trigo, pois tal constituiria uma incitação iletima à violência

Pedro Madeira
Mill, J. S. (2010). Sobre a Liberdade. Lisboa: Público.

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