quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Dos remédios para a falta de gente ...



Pelo que pois por este meio das Colónias teve a povoação do Reino princípio, não se lhe pode buscar outro mais próprio, nem mais fácil, para se povoar, principalmente Alentejo; que com ser quase tanta terra, como o restante Portugal, está quase deserta, e com muito poucas vilas, e lugares. A razão é por estar todo Alentejo dividido em herdades, das quais os lavradores não são senhores; mas somente arrendadores, e ainda que muitos homens desejam fazer casas novas nas mesmas herdades, não lhe podem os lavradores dar para isso licença; mas antes quando os senhorios o querem, eles não consentem, pelo dano, que temem que os tais moradores lhe hão de fazer nas suas searas, e nem uma árvore de fruto, ou parreira ousam plantar na terra; porque logo o vizinho lança sobre ele no novo arrendamento, para ficar melhor acomodado. Donde vem estar agora esta Província tão despovoada; sendo assim que em tempo dos Romanos tinha mais lugares, que as outras da Lusitânia. Pelo que para a povoarem, não será necessário haver força; porque, se derem aos homens terras, e algum modo de cómodo para o princípio, de sua vontade haverá muitos que folguem de se vir viver a estes novos lugares.
Duas objecções se podem apontar contra este meio. A primeira é ser a terra de Alentejo de charneca areenta, e estéril. A segunda que é falta de águas, sem as quais não pode haver povoação. Porém ambas estas dificuldades têm fácil resposta. À primeira se responde negando ser todo Alentejo de terra infrutífera, e de charneca; porque a maior parte desta Província é de terra muito fértil, e abundante; e a parte que tem de charnecas, não é toda de ruim terra; antes parte dela é terra boa. Além disto como temos provado, nenhuma terra se pode chamar infrutífera, porque a que não é boa para trigo, é boa para cevada, centeio, ou vinhas; e quando não para pastos;[…] Pelo que nos postos onde a terra não for boa, senão de charneca, pode servir do que dizemos; ou assim mesmo de excelentes colmeares, como se vê na serra de Serpa, na de PorteI, e no termo de Palmela. […] Exemplo do que temos dito, seja o que vemos nas Vendas Novas, onde a charneca é de areia mais solta, e que parecia mais infrutífera; e com tudo naquele sítio se têm plantado vinhas, pomares, e hortas muito boas.
E quanto à segunda objecção, que se diz de Alentejo, que não tem fontes, não faz ao caso; porque se podem abrir muito bons poços; […]
À outra dificuldade que se podia apontar do cabedal que era necessário da Fazenda Real, para se começarem estas vilas, e se introduzirem estas Colónias, se responde, que não é necessário, que Sua Majestade faça nesta matéria gasto algum; mas que somente conceda aos que hoje as fundarem, os privilégios, com que antigamente se fundaram as outras pelas comunidades, ou fidalgos particulares, que foi o título do senhorio delas, porque com isso se farão. […] com el Rei ficam os novos vassalos, os novos tributos, e sisas, e o novo crescimento de todas as cousas que se nos tais povos cria; e juntamente se ficará conseguindo o efeito da multiplicação da gente, de que tratamos.


Faria, Manuel Severim de - Notícias de Portugal. Évora: Edições Colibri e Escola Secundária de Severim de Faria, 2003, pp. 29 e 30 (1ª ed. 1655

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