terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ortografia... através dos tempos

A polémica é antiga. Por exemplo em finais do século XVII, um grande erudito, o Padre D. Rafael Bluteau, em Prosas Portuguesas, livro editado em 1727, escreve assim:

Na sexta Conferencia em 18 de Março (1696):
XIX. Se a Ortographia ha de seguir as origens ou a pronuncia, como Philosofia com P e H, ou com F.
Pareceo a alguns Academicos, que sempre se havia seguir a pronuncia. Fundavaõ-se em que esta era a mayor excellencia da lingua Portugueza, escrever como pronunciava, em que as letras dobradas, donde se naõ exprimem, eraõ inuteis, em que isto era dar huma regra geral para todos escreverem certo, e em que desta opiniaõ eraõ Duarte Nunes de Leaõ, Joaõ de Barros nas suas Ortographias, e os outros Autores, que escreveraõ da Lingua; e que o Ph dos gregos se pronuncia suave, e asperamente o F dos latinos; e que seguindo a nossa Lingua o F, com a pronuncia de Ph se escutava este. Assentousse, que nem sempre se escrevesse como se pronunciava, porque aquelles nomes, que conhecidamente encerravaõ as origens sem corrupçaõ, se escrevessem na sua etymologia, quando as letras naõ fossem como a pronuncia, e assim Coro, e naõ Choro; Monarquia, e naõ Monarchia; e que os ZZ se evitassem muitas vezes, suprindo-se com hum S.
"Oratorio Requerimento de Palavras Portuguezas, Aggravadas, Desconfiadas, Pertendentes, Presentado no Tribunal das Letras (...)", pág. 18, in D. Raphael Bluteau, Prosas Portuguezas, 1729

Repare-se que o ph só foi alterado em 1911, que as palavras proparoxítonas não eram acentuadas, havia consoantes duplas etc., até à primeira lei efectuada no início da República.

Nas alterações efectuadas, uma das linguistas mais consideradas, que esteve na comissão sobre ortografia (antes escrevia-se ortographia) escreve o seguinte:
[…] Esse estado anormal foi tomando proporções de verdadeira calamidade nos últimos decénios do século passado […]
II- SERIA CONVENIENTE QUE A ORTOGRAFIA FOSSE OFICIALMENTE REGULARIZADA E SIMPLIFICADA?
Conveniente e urjente, tanto sobre o aspecto científico, como sob o estético, e sobretudo pedagójico.
Num país, atrasadíssimo quanto á instrução e educação, em que quatro milhões estão á espera dos benefícios da luz espiritual, o que importa é facilitar o ensino da leitura e escrita; acabar com todas as complicações desnecessárias; eliminar todos os artifícios eruditos […] o ensino elementar da leitura e da escrita não é fim, mas apenas meio, indispensável para o desenvolvimento da faculdade de pensar, raciocinar, julgar, protestar e emendar o que encontramos imperfeito e obnócsio no nosso caminho: faculdades, sem as quaes não pode haver verdadeira liberdade.
[…]
Importa que Portugal e o Brasil realizem simultaneamente e de modo idêntico a reforma planeada, escrevendo de aqui em diante da mesma maneira, racionalmente simplificada, todos os vocábulos da sua língua comum, apesar do timbre diverso com que cá e lá se pronunciam as vogais tónicas e átonas.

in Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Lições de Filologia Portuguesa, 1911, pp. 101 e 102
Repare-se, entre outras, no uso do j ou nos acentos ou ainda cs em vez de x.

Para alguns esclarecimentos sobre o actual Acordo Ortográfico veja-se, por exemplo, o Portal da Língua Portuguesa:
http://www.portaldalinguaportuguesa.org/

Apenas duas perguntas: foi por causa da ortografia que compreenderam melhor ou pior o texto? Modificaram a pronúncia ao lerem as palavras escritas de outra forma?

Sem comentários: