segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Constituição Portuguesa de 1822

CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1822
EM NOME DA SANTÍSSIMA E INDIVISÍVEL TRINDADE
As Cortes Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, intimamente convencidas de que as desgraças públicas, que tanto a têm oprimido e ainda oprimem, tiveram sua origem no desprezo dos direitos do cidadão, e no esquecimento das leis fundamentais da Monarquia; e havendo outrossim considerado que somente pelo restabelecimento destas leis, ampliadas e reformadas, pode conseguir-se a prosperidade da mesma Nação e precaver-se que ela não torne a cair no abismo, de que a salvou a heróica virtude de seus filhos; decretam a seguinte Constituição Política, a fim de segurar os direitos de cada um, e o bem geral de todos os Portugueses.

TÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS DOS PORTUGUESES
CAPÍTULO ÚNICO.
ARTIGO I A Constituição política da Nação Portuguesa tem por objecto manter a liberdade, segurança, e propriedade de todos os Portugueses.
2 A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe. A conservação desta liberdade depende da exacta observância das leis.
3 A segurança pessoal consiste na protecção, que o Governo deve dar a todos, para poderem conservar os seus direitos pessoais.
4 Ninguém deve ser preso sem culpa formada, salvo nos casos, e pela maneira declarada no artigo 203, e seguintes. A lei designará as penas, com que devem ser castigados, no só o Juiz que ordenar a prisão arbitrária e os oficiais que a executarem, mas também a pessoa que a tiver requerido.
5 A casa de todo o Português é para ele um asilo. Nenhum oficial público poder entrar nela sem ordem escrita da competente Autoridade, salvo nos casos, e pelo modo que a lei determinar.
6  A propriedade é um direito sagrado e inviolável, que tem qualquer Português, de dispor sua vontade de todos os seus bens, segundo as leis. Quando por alguma razão de necessidade pública e urgente, for preciso que ele seja privado deste direito, será primeiramente indemnizado, na forma que as leis estabelecerem.
7 A livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o Português pode conseguintemente, sem dependência de censura prévia, manifestar suas opiniões em qualquer matéria, contanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos, e pela forma que a lei determinar. [. ..]
9 A lei é igual para todos. No se devem portanto tolerar privilégios do foro nas causas cíveis ou crimes, nem comissões especiais. Esta disposição não compreende as causas, que pela sua natureza pertencerem a juízos particulares, na conformidade das leis.
10 Nenhuma lei, e muito menos a penal, será estabelecida sem absoluta necessidade.
11 Toda a pena deve ser proporcionada ao delito; e nenhuma passará da pessoa do delinquente. Fica abolida a tortura, a confiscação de bens, a infâmia, os açoites, o baraço e pregão, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis ou infamantes.
12 Todos os Portugueses podem ser admitidos aos cargos públicos, sem outra distinção, que não seja a dos seus talentos e das suas virtudes.
13 Os ofícios públicos não são propriedade de pessoa alguma. O número deles será rigorosamente restrito ao necessário. As pessoas, que os houverem de servir, jurarão primeiro observar a Constituição e as leis; ser fiéis ao Governo; e bem cumprir suas obrigações.
14 Todos os empregados públicos serão estritamente responsáveis pelos erros de ofício e abusos do poder, na conformidade da Constituição e da lei.
15 Todo o Português tem direito a ser remunerado por serviços importantes feitos à pátria, nos casos, e pela forma que as leis determinarem.
16 Todo o Português poderá apresentar por escrito às Cortes e ao poder executivo reclamações, queixas, ou petições, que deverão ser examinadas.
17 Todo o Português tem igualmente o direito de expor qualquer infracção da Constituição, e de requerer perante a competente Autoridade a efectiva responsabilidade do infractor.
18 O segredo das cartas é inviolável. A Administração do correio fica rigorosamente responsável por qualquer infracção deste artigo.
19 Todo o Português deve ser justo. Os seus principais deveres são venerar a Religião; amar a pátria; defendê-la com as armas, quando for chamado pela lei; obedecer à Constituição e às leis; respeitar as Autoridades públicas; e contribuir para as despesas do Estado.
TITULO II DA NAÇÃO PORTUGUESA, E SEU TERRITÓRIO, RELIGIÃO, GOVERNO, E DINASTIA.
 26 A soberania reside essencialmente em a Nação. Não pode porém ser exercitada senão pelos seus representantes legalmente eleitos. Nenhum indivíduo ou corporação exerce autoridade pública, que se não derive da mesma Nação.
27 A Nação é livre e independente, e não pode ser património de ninguém. A ela somente pertence fazer pelos seus Deputados juntos em Cortes a sua Constituição, ou Lei Fundamental, sem dependência de sanção do Rei.
29 O Governo da Nação Portuguesa é a Monarquia constitucional hereditária, com leis fundamentais, que regulem o exercício dos três poderes políticos.
30 Estes poderes são legislativo, executivo, e judicial. O primeiro reside nas Cortes com dependência da sanção do Rei (art. 110, 111 e 112.) O segundo está no Rei e nos Secretários de Estado, que o exercitam debaixo da autoridade do mesmo Rei. O terceiro está nos Juízes.
Cada um destes poderes é de tal maneira independente, que um não poderá arrogar a si as atribuições do outro.
TITULO III DO PODER LEGISLATIVO OU DAS CORTES.
 CAPITULO I Da eleição dos Deputados de Cortes.
ARTIGO 32
A Nação Portuguesa é representada em Cortes, isto é, no ajuntamento dos Deputados, que a mesma Nação para esse fim elege com respeito à povoação de todo o território Português.
33 Na eleição dos Deputados têm voto os Portugueses, que estiverem no exercício dos direitos de cidadão (art. 21, 22, 23 e 24), tendo domicílio, ou pelo menos residência de um ano, em o concelho onde se fizer a eleição. O domicílio dos Militares da primeira linha e dos da armada se entende ser no concelho, onde têm quartel permanente os corpos a que pertencem.
Da presente disposição se exceptuam:
I. Os menores de vinte e cinco anos; entre os quais contudo se não compreendem os casados que tiverem vinte anos; os oficiais militares da mesma idade; os bacharéis formados; e os clérigos de ordens sacras:
II. Os filhos-famílias, que estiverem no poder e companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios públicos:
III. Os criados de servir; não se entendendo nesta denominação os feitores e abegões, que viverem em casa separada dos lavradores seus amos:
IV. Os vadios, isto é, os que não têm emprego, ofício, ou modo de vida conhecido:
V. Os Regulares, entre os quais se não compreendem os das Ordens militares, nem os secularizados:
VI. Os que para o futuro, em chegando à idade de vinte e cinco anos completos, não souberem ler e escrever, se tiverem menos de dezassete quando se publicar a Constituição.

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